Associação Brasileira da Construção

Industrializada de Concreto

Pesquisadores usam borra de café para substituir areia em concreto

Já pensou em utilizar café no lugar de areia para fazer concreto? A ideia veio de Pesquisadores do Instituto Real de Tecnologia de Melbourne (RMIT), que estão apostando nessa ideia para substituir parte da areia empregada para fazer concreto. 

Ao Massa Cinzenta, Rajeev Roychand, engenheiro estrutural e de materiais e responsável pela pesquisa, explicou que a técnica consiste na incorporação de resíduos de café pirolisado a 350 °C. “Este material apresenta uma combinação ideal de teor de carbono e estrutura porosa, permitindo que atue como reservatórios microscópicos de água dentro da mistura de concreto”, pontua. 

A arquitetura porosa do biochar de café funciona como um sistema integrado de gestão da água, liberando gradualmente a umidade armazenada para manter a cinética de hidratação à medida que a umidade relativa diminui, segundo Roychand. 

“Esse mecanismo controlado de liberação de água sustenta a hidratação das partículas de cimento além dos prazos convencionais, resultando em maior densidade microestrutural. As partículas de biochar formam ligações contínuas com a matriz cimentícia à medida que a pasta de cimento penetra em sua estrutura porosa, e essa hidratação aprimorada do cimento, combinada à formação de ligações contínuas, contribui para o aumento da resistência”, pontua Roychand.

De acordo com Roychand, os pesquisadores iniciaram os testes substituindo parte da areia do concreto por borra de café usada, sem nenhum tratamento. O resultado não foi animador: por conter muita matéria orgânica, o resíduo atrapalhou a hidratação do cimento e reduziu drasticamente a resistência do material. As substâncias presentes no café cru acabaram interferindo na química do concreto e comprometendo sua integridade.

Para resolver o problema, os cientistas recorreram à pirólise — processo de aquecimento sem oxigênio —, que elimina os compostos orgânicos indesejados e transforma a borra em biochar, um aditivo compatível com o cimento. Após vários testes, eles descobriram que a temperatura de 350 °C era a ideal: alta o suficiente para neutralizar a interferência orgânica, mas sem destruir a porosidade do material, fundamental para melhorar o desempenho do concreto. Além disso, o processo é mais eficiente em termos energéticos do que tratamentos em temperaturas mais elevadas, o que abre caminho para sua adoção em escala industrial.

Além do café

Roychand indica que a técnica de usar biochar de resíduos orgânicos no concreto pode ir muito além da borra de café. “Testes preliminares mostram que resíduos alimentares, subprodutos agrícolas e até resíduos orgânicos urbanos podem, após tratamento térmico adequado, melhorar significativamente a resistência e a durabilidade do concreto. Embora cada tipo de resíduo exija ajustes específicos de temperatura e processamento, os primeiros resultados sugerem que diversas fontes de biomassa podem gerar biochar com desempenho comparável ou até superior ao da borra de café”, relata o pesquisador. 

O grupo de pesquisa planeja publicar os dados completos em breve, abrindo caminho para aplicações mais amplas e sustentáveis na construção civil.

Escalonamento e adoção pelo mercado

Roychand aponta que, atualmente, a geração de resíduos de café na Austrália chega a aproximadamente 75 mil toneladas por ano, com a conversão via pirólise rendendo cerca de 22,5 mil toneladas de biochar produzido a 350 °C. “Nossos cálculos volumétricos demonstram que o aproveitamento integral desse resíduo poderia atender a 100% da demanda de substituição ideal por biochar, indicando uma disponibilidade de recursos favorável para a adoção em larga escala. A tecnologia já avançou além da validação em laboratório, por meio de extensas demonstrações em campo realizadas em parceria com empresas do setor e autoridades de infraestrutura. Esses testes em condições reais confirmaram o desempenho do concreto com biochar de café em aplicações construtivas, demonstrando ganhos consistentes de resistência e durabilidade”, afirma.

Atualmente, o RMIT está em fase final de um acordo exclusivo de comercialização com uma empresa de capital de risco. “Essa parceria estratégica estabelece a base necessária para a transição da pesquisa experimental para a aplicação no mercado, garantindo acesso a redes de produção e sistemas de distribuição já consolidados, indispensáveis para a implementação em larga escala”, comenta.

A expansão do uso do biochar de café no concreto depende da criação de uma cadeia estruturada, que inclui coleta organizada dos resíduos, produção padronizada do material por pirólise e integração às usinas de concreto, segundo Roychand. Os principais desafios estão na logística, no controle de qualidade e na instalação de unidades descentralizadas de produção. “O acordo de comercialização em andamento busca superar esses obstáculos, aproveitando redes industriais já existentes para acelerar a adoção em larga escala”, comenta o pesquisador.

Sustentabilidade

Um estudo comparou a pegada de carbono do biochar de café com a extração convencional de areia para o concreto e concluiu que a nova solução pode trazer ganhos ambientais expressivos. Ao passar pela pirólise a 350 °C, a borra de café não apenas evita a emissão de metano em aterros, como também reduz a necessidade de areia, cuja extração enfrenta limites ambientais cada vez maiores.

Além disso, o concreto com biochar apresentou até 30% mais resistência, permitindo diminuir a quantidade de cimento sem comprometer a performance. Roychand ressalta que, juntos, esses fatores criam uma dupla vantagem: menos resíduos, menor impacto ambiental e materiais de construção mais eficientes.

Matéria publicada no Massa Cinzenta

Nós usamos cookies para compreender o que o visitante do site da Abcic precisa e melhorar sua experiência como usuário. Ao clicar em “Aceitar” você estará de acordo com o uso desses cookies. Saiba mais!