Associação Brasileira da Construção

Industrializada de Concreto

Sem restrições tecnológicas, os pré-fabricados precisam romper obstáculos culturais

Paulo Eduardo F. de Campos*

A história da arquitetura moderna narra na sua origem as sucessivas revoluções ocorridas no desenvolvimento da indústria e como elas influenciaram os processos construtivos. Além de novos materiais, tais como o vidro e o ferro, os projetos de pontes, grandes naves industriais, estações de estrada de ferro etc. exigiram o restabelecimento de uma linguagem arquitetônica adequada às realidades e utopias que se encontravam na segunda metade do século XIX.

A construção pré-fabricada de concreto, por sua vez, acabou consolidando-se como a forma mais viável e mais difundida para se promover a industrialização da construção, tomando um impulso sem precedentes no período do segundo pós-guerra. A opção pelo "grande painel" pré-fabricado de concreto, como resposta técnica e econômica às necessidades de reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, converteu esta tecnologia num logotipo deste período.

As realizações massivas na área de habitação ocorridas nesta época criaram, no entanto, uma espécie de estigma que associou a construção pré-fabricada durante muito anos à uniformidade, monotonia e rigidez na arquitetura, ou seja, flexibilidade "zero".

Seria muito restrita nos dias de hoje uma definição de industrialização calcada nos padrões do pós-guerra europeu, visto que tais modelos vêm sendo revisados em profundidade nos seus próprios países de origem, desde o final dos anos 80. Por sua vez, o desenvolvimento de sistemas e componentes construtivos mais leves, buscando conferir um maior valor agregado ou "densidade tecnológica" aos produtos, parece ser uma tendência dominante para o futuro do segmento de pré-fabricados de concreto.

Os novos materiais empregados atualmente na produção de pré-fabricados de "última geração" - a exemplo do CAD (Concreto de Alto Desempenho), dos CPR (Concretos de Pós-Reativos) e dos materiais compostos - são parte fundamental desta revolução sutil que vem ocorrendo há alguns anos nos países desenvolvidos e que agora já está presente entre nós.

O emprego recente de painéis arquitetônicos e banheiros prontos pré-fabricados tem como fundamento as necessidades de maximização da eficiência dos métodos e procedimentos adotados na construção civil, a partir de um novo paradigma. Sob este ponto de vista, três aspectos principais podem ser destacados entre as propostas metodológicas para se atingir a eficiência em referência, a saber:

    o uso da pré-fabricação na maior parte possível de partes do edifício.

    a crescente conversão do canteiro de obra em local de montagem de partes pré-fabricadas.

    a máxima racionalização dessa montagem.

A administração da produção e o controle dos processos no canteiro, particularmente no que se refere às relações comerciais com terceiros e às entregas dos diversos insumos, desde projetos até materiais e serviços, são amplamente favorecidos dentro desta metodologia.

Ainda que a adoção destas novas práticas não implique necessariamente no emprego da pré-fabricação total, claro está que a transformação da obra num local de montagem de partes pré-fabricadas é uma alternativa que pode contribuir decisivamente para melhorar o controle dos cronogramas e da produtividade em canteiro, uma vez que a produção dos componentes faz-se fora do local da obra, segundo contratos específicos, os quais estão submetidos aos seus próprios cronogramas.

Uma convicção na pré-fabricação de ciclo aberto

O nível de desenvolvimento tecnológico da indústria da construção civil, a despeito dos avanços verificados com o emprego recente de painéis e módulos pré-fabricados, ainda é incomparavelmente mais atrasado que o dos demais setores da indústria convencional, além de não poder ser considerado homogêneo. No entanto, ao se observar alguns dos conceitos introduzidos no âmbito da construção industrializada no início do século XX, tais como os de tolerância e intercambiabilidade, quando pioneiros como Walter Gropius e Wachsmann (1930) aplicavam em seus projetos as experiências de racionalização antes já experimentadas pelas construções metálicas, é possível perceber que muitos dos ideais utópicos daquela época são hoje perfeitamente factíveis. Ou seja, a possibilidade de produção seriada de edifícios industrializados, quer em suas partes fundamentais, quer na sua totalidade, é uma realidade e a indústria da construção civil está apta a dar um grande salto, superando num curto espaço de tempo a defasagem tecnológica do setor e alcançando um nível de industrialização equivalente àquele que já é visível nos países desenvolvidos.

Em que pesem as profundas diferenças existentes entre as realidades do Brasil e dos países mais desenvolvidos, pode-se afirmar com relativa segurança que um ciclo semelhante ao experimentado no auge da aplicação das técnicas de pré-fabricação na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, incluindo sua posterior obsolescência e a sua recente substituição por tecnologias e procedimentos mais flexíveis, menos rígidos, tem sido também uma tendência ao longo do desenvolvimento ainda incipiente da pré-fabricação no país.

Ainda que cada país, evidentemente, deva buscar desenvolver os seus próprios modelos, mais adequados às suas necessidades e realidades, é impossível não reconhecer a influência que os sistemas abertos ou a "segunda geração da industrialização", baseada no emprego intensivo de componentes, já vem exercendo no mercado brasileiro há pelo menos uma década. Não fosse assim, como explicar a reconversão de várias das empresas brasileiras, até então produtoras de sistemas pré-fabricados fechados para galpões industriais, em fabricantes de componentes para sistemas abertos, tais como: lajes alveolares, painéis arquitetônicos, estruturas baseadas no conceito de pré-formas, entre outros produtos?

Por sua vez, vem novamente a pergunta: O que falta então para que o segmento de pré-fabricados de concreto venha a romper a barreira dos 5% que representam a sua participação histórica na produção de cimento no país? Há no Brasil, ainda que se considere somente a região centro-sul, um grande abismo separando a realidade da indústria da construção civil e a possibilidade de aplicação de sistemas pré-fabricados e procedimentos industrializados. As demandas existentes, mesmo se tratando do imenso déficit habitacional de mais de 6 milhões de unidades, foram e seguem sendo encaradas sob a ótica das formas tradicionais de se construir.

O Brasil dispõe hoje de um parque produtor de pré-fabricados, cuja experiência e a capacitação técnica permitem o desenvolvimento de produtos extremamente adequados a estas demandas. A falta de disseminação do uso de sistemas pré-fabricados abertos, baseados na utilização de componentes pré-fabricados com um alto valor agregado, é hoje mais uma questão cultural do que o fruto de uma limitação tecnológica, daí a questão recorrente: não se constrói porque não há soluções tecnológicas ou não há soluções tecnológicas porque não se constrói em larga escala empregando os pré-fabricados de concreto?

Obstáculos que precisam ser rompidos

Partindo-se do pressuposto de que não são os fatores estritamente tecnológicos que representam o maior obstáculo à difusão da pré-fabricação no Brasil, chega-se à conclusão que uma visão de futuro sobre a pré-fabricação no país deva contemplar inicialmente:

1) A demonstração da validade desta ferramenta para a superação das demandas existentes, tomando como exemplo as experiências ocorridas nos países desenvolvidos.

2) A apresentação de obras nacionais e internacionais que tenham um caráter inovador e que tragam uma contribuição objetiva no sentido de aplicação dos novos conceitos inerentes à construção pré-fabricada em concreto ("industrialização de ciclo aberto").

3) O rompimento do estigma que no passado associou a construção pré-fabricada à uniformidade, à monotonia e à rigidez na arquitetura.

4) A demonstração de que, para além da qualidade arquitetônica, as novas obras pré-fabricadas possuem qualidades intrínsecas relativas ao nível acabamento e ao atendimento das exigências de conforto do usuário final.

5) A consideração de que existem novas tecnologias à base de cimento, tais como o CAD e os compósitos; inovações tecnológicas aplicadas na execução de obras recentes e emblemáticas.

Paulo Eduardo Fonseca de Campos é arquiteto, mestre em Engenharia Civil e doutor em Arquitetura e Urbanismo. É diretor da Precast Consultoria e Desenvolvimento do Produto, coordenador do Comitê de Painéis Arquitetônicos da ABCIC e assessor do Subprograma XIV do Programa Ibero-americano CYTED. Foi diretor de Projetos e Desenvolvimento da Pavi do Brasil Pré-fabricação - e-mail: pefonseca@precast.com.br

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